O Zé do Telhado é o meu gato preferido. E suponho que, para ele, também sou a pessoa preferida. Pois é: somos dois bons amigos.
Além
de amigos, somos vizinhos. Ele mora uns metros acima da minha casa, no
telhado do prédio, onde ocupo o último andar. Tem lugar privativo junto à
chaminé que é o sítio mais quente. Na Primavera, no Verão e no Outono, o
telhado é para ele casa, jardim, passeio, miradoiro.
No Inverno,
pede-me hospedagem. E, sempre que chove, vem fazer-me uma visitinha,
como quem não quer a coisa. Tenho sempre um pratinho de fiambre para o
receber.
Entra-me pela janela da trapeira. Quando a janela não está
aberta, tem maneira de chamar a atenção, raspando as unhas nos vidros da
clarabóia, o que provoca um ruído fininho de arrepiar. Vou logo
abrir-lhe a janela.
Ele anda na sua vida e eu na minha, mas gosta de
saber-me em casa. Nos dias em que sua excelência prefere o telhado, vai
não vai passa rente à trapeira e, muito descaradamente, espreita para
dentro. Se me vê, debruçado à secretária, a trabalhar, o Zé do Telhado
descansa e segue telhas adiante.
Há dias, houve um grande desastre.
Exactamente o que imaginam: o Zé do Telhado caiu do telhado ao pátio.
Altura de três andares, sem asa-delta. Nem pára-quedas. Um baque e
tanto.
Andavam a arranjar as antenas de televisão. Rolos de fio,
ferramentas e confusão a mais, em território de gato pouco dado a
novidades. Ainda por cima vinham pôr um prato de antena parabólica,
junto à chaminé. Que afronta!
O Zé do Telhado sobressaltou-se, indignou-se, desequilibrou-se e... foi parar ao rés-do-chão.
Dizem que os gatos têm sete bofes ou sete vidas. Mas só têm quatro patas. O Zé do Telhado partiu duas.
O veterinário onde o levei cuidou dele com todo o esmero e o Zé pouco se queixou.
Queixou-se,
depois, já em minha casa, quando se viu com as patas presas a duas
talas com ligaduras e proibido de saltar para o telhado. Janelas todas
fechadas.
Mia, desesperado, pela casa toda. Gatos e mais gatos
espreitam pelos vidros da janela da trapeira, à procura dele. Hão-de
estranhar-lhe a falta.
Estamos em pleno Verão e eu não posso abrir as
janelas. O calor é sufocante deste terceiro andar batido pelo sol e eu
suo em bica. Mais vou suar até o Zé do Telhado ficar bom.
- Lá para o meio do Outono, tiro-lhe as talas - promete-me o veterinário.
Mas se ainda estamos em Agosto...
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