"Ao lume, as
imagens acorrem sem esforço; trata-se de tornar real um gato, um gato
que entrou pelo sono. É inverno, veio com a chuva. Aproximou-se do fogo
sem querer olhar para mim, sacudiu algumas gotas de água e enroscou-se
na tijoleira quente, tendo caído no sono como pedra no poço. Contemplava
aquele novelo desiludido e fremente com inveja - adormecera tão
facilmente! Também ele sonha, e no seu sonho há um dia de sol, e pardais
na eira, e medas de palha. Espreguiçava-se, o corpo em arco sobre as
patas todas. É preto, pintado por Manet. Devia ficar com ele, os gatos
pretos dão sorte, embora sejam ariscos. Não lhe tirava os olhos de cima,
começava a considerá-lo uma companhia. Ocasionalmente, leve,
descomprometida. Uma afloração da pele mais do que enredos do espírito.
De repente, aquele pequeno companheiro de algumas horas estremeceu,
salto sobre um pardalito que se lhe escapa de entre as patas, corre
atrás dele, não pára de correr, regressa à chuva. E eu, ao lume."
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