Neko

terça-feira, 8 de maio de 2012

Eugénio de Andrade

"Ao lume, as imagens acorrem sem esforço; trata-se de tornar real um gato, um gato que entrou pelo sono. É inverno, veio com a chuva. Aproximou-se do fogo sem querer olhar para mim, sacudiu algumas gotas de água e enroscou-se na tijoleira quente, tendo caído no sono como pedra no poço. Contemplava aquele novelo desiludido e fremente com inveja - adormecera tão facilmente! Também ele sonha, e no seu sonho há um dia de sol, e pardais na eira, e medas de palha. Espreguiçava-se, o corpo em arco sobre as patas todas. É preto, pintado por Manet. Devia ficar com ele, os gatos pretos dão sorte, embora sejam ariscos. Não lhe tirava os olhos de cima, começava a considerá-lo uma companhia. Ocasionalmente, leve, descomprometida. Uma afloração da pele mais do que enredos do espírito. De repente, aquele pequeno companheiro de algumas horas estremeceu, salto sobre um pardalito que se lhe escapa de entre as patas, corre atrás dele, não pára de correr, regressa à chuva. E eu, ao lume."


[Eugénio de Andrade, Os Doces Animais, Doze Desenhos de Cristina Valadas. Edições Asa. Novembro de 2003. Direcção gráfica de Armando alves. Estes Doces Animais, fizeram-se em papel Arches de 250 gramas, e assinadas por Cristina Valadas, duzentos e cinquenta exemplares numerados de 1 a 250, apresntados em caixa de cartão forrada a papel Pop Set de 80 gramas. Exemplar nr. 109/250]e


Nenhum comentário:

Postar um comentário