Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que ele 
diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de 
pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não 
interessa a ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o 
obséquio de mudar de coluna. Trata-se de um gato.
Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita. Há 
tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do
 crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no 
encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu  e sua falta é mais 
importante para mim, do que as reformas do ministério.
Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenônemo se 
relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros.
 Agora ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de 
alimentos. À falta de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam
 comendo carne de gato, caça tão esquiva quanto a outra.
O fato sociológico ou econômico me escapa. Não é a sorte geral 
dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não 
sabido.
Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a
 essa hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. 
Em suas andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio cor incomum em 
gatos comuns e se dispunha a ajudar-me na captura. Lá fomos sob o vento 
da praia, em seu encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a
 um edifício, estava o gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se
 recusou à intimidade. Chamados afetuosos não o comoveram; tentativas de
 aproximação se frustaram. Ele fugia sempre, para voltar se nos via 
distantes. Amava.
Seria iníquo apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a 
poucos metros. Desistimos. Se for Inácio,  pensei dentro de um ou dois 
dias estará de volta. Não voltou.
Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no 
telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto 
preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É
 o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis 
físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, 
beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é
 símbolo e guardião da vida intelectual.
Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se 
desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É 
extraordinário como o gato “funciona” em uma casa: em silêncio, 
indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a 
mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de 
Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável era a presença de Inácio a 
meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de topázio que longamente 
me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do sono profundo, 
que antecipava a reação provável dos leitores.
Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está pensando
 em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não seqüestrado, voltará sem 
explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar 
satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de 
circunspeção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o 
roubo, e ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. 
Finalmente, se tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta 
própria, com suas patas; com a altivez, a serenidade e a elegância dos 
gatos.

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