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terça-feira, 6 de março de 2012

Martha Medeiros - Aristogatos


         Nunca imaginei ter um bicho de estimação por uma questão de ordem prática: moro em apartamento, sempre morei. E se morasse em casa, escolheria um cachorro. Logo, nunca considerei a hipótese de ter um gato, fosse no térreo ou no décimo andar. Quando me falavam em gato, eu recorria a todos os chavões pra encerrar o assunto: gato é um animal frio, não interage, a troco de quê ter um enfeite de quatro patas circulando pela casa?
         Hoje, dona apaixonada de um gato de 5 meses (e morando no décimo andar), já consigo responder essa pergunta pegando emprestada uma frase de um tal Wesley Bates: "Não há necessidade de esculturas numa casa onde vive um gato". Boa, Wesley, seja você quem for. Gato é a manifestação soberana da  elegância, é uma obra de arte em movimento. E se levarmos em consideração que a elegância anda perdendo de 10 x 0 para a vulgaridade, está aí um bom motivo para ter um bichano aninhado entre as almofadas.
         Só que encasquetei de buscar argumentos ainda mais conclusivos. Por que, afinal, eu me encantei de tal modo por um felino? Comecei a ler outras frases irônicas e aparentemente pouco elogiosas. Mark Twain disse que gatos são inteligentes: aprendem qualquer crime com facilidade. Francis Galton disse que o gato é antissocial. Rob Kopack disse que se eles pudessem falar, mentiriam para nós. Saki disse que o gato é doméstico só até onde convém aos seus interesses. Estava explicado por que gamei: qual a mulher que não tem uma quedinha por cafajestes?
         Ser dona de um cachorro deve ser sensacional. Lealdade, companheirismo, reciprocidade, eu sei, eu sei, eu vi o filme do Marley. Cão é boa gente. Só que o meu cachorro preferido no cinema nunca foi da estirpe de um Marley. Era o Vagabundo, sabe aquele do desenho animado? O que reparte com a Dama um fio de macarrão, ambos mastigam, um de cada lado, e mastigam, mastigam até que (suspiro... a emoção impede que eu continue). Eu trocaria todos os príncipes loiros e bem comportados da Branca de Neve e da Cinderela pelo livre e irreverente Vagabundo, que foi o personagem fetiche da minha infância. E lembrando dele agora, consigo entender a razão: aquele malandro tinha alma de gato.
         Imagino que, com essa crônica, eu esteja revelando o lado menos nobre do meu ser. Pareço tão sensata, tão bem resolvida, tão madura - quá! - tenho outra por dentro. Que vergonha. Levei mais de 40 anos para me dar conta de que não faço questão de uma criatura que me siga, que me agrade, que me idolatre, que me atenda imediatamente ao ser chamado, que me convide pra passear com ele todo dia. Sendo charmoso, na dele e possuindo ao menos alguma condescendência comigo, tem jogo.
         Cristo, um simples gato me fez descobrir que sou mulher de bandido.

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